23 de nov. de 2010

A Escolinha do Carequinha

Vez por outra o pensamento me remete a lembranças que pareciam apagadas da memória. E quando algum fato ou prova física me possibilita construir a ponte de ligação ao acontecimento passado tudo aflora facilmente na memória, como se eu estivesse folheando um antigo álbum de fotografias. Ao passar em frente aquela velha casa abandonada, no caminho da praia para o Magalhães, lembrei que ali funcionava uma das escolas primárias dos anos 60, da nossa Laguna. Era a escola estadual Major João Nunes Neto. Nessa década, de uma maneira geral, os recursos para investimentos em qualquer área eram escassos e o sistema de comunicação do país não dispunha do aparato tecnológico nem a importância e o alcance do existente nos dias atuais. E é nesse contexto que a escola com apenas duas pequenas salas, comportando cada uma, no máximo 20 alunos, funcionava. Atendia principalmente, alunos carentes das comunidades da Coréia (Rua da Balsa), Lagoa Preta e Ponta das Pedras. Na “Escolinha do Carequinha”, assim carinhosamente apelidada pela comunidade, as matriculas eram feitas de porta em porta, nas casas dos alunos, convencendo as mães da necessidade de se colocar os filhos na escola. Elas justificavam a evasão escolar por falta de condições financeiras das familias para a aquisição dos materiais escolares. Mas a Caixa Escolar, criada e mantida pelas doações das próprias professoras e de terceiros viria, em parte, amenizar o problema. Lecionar naquela escola era um verdadeiro sacerdócio. As professoras, além de se preocuparem com o ensino daquelas crianças, intelectualmente defasadas, ainda tinham de resolver os problemas familiares que afligiam os alunos. A meninada chegava para as aulas com os pés descalços e alguns deles de carinhas lambuzadas passavam por uma primeira higienização realizada pelas abnegadas mestras/mães. Além do que ainda providenciavam, às suas custas, no horário do recreio, o lanche dos seus alunos. O trabalho do magistério se constituía numa árdua batalha de resgate da cidadania daqueles alunos e de suas famílias. Eram normais aulas de reforço, depois do horário, na casa da professora. A Escolinha do Carequinha encerrou suas atividades no ano de 1974 quando se instalou na cidade, a Escola da fundação Bradesco, mas deixou sua indelével marca na comunidade do Magalhães e no coração daqueles que se tornaram os homens e as mulheres de hoje e nela tiveram seu primeiro contato com o mundo das letras. O imóvel lá permanece a merecer uma boa restauração e quiçá uma inspiradora idéia de aquisição do que restou de seu patrimônio, pelo poder municipal, para a instalação daquilo que poderia ser a biblioteca pública municipal “Escolinha do Carequinha” do Magalhães. Aqui fica o registro da historia de uma escola mantida, praticamente, pela heróica resistência de professoras, provenientes do meio de uma comunidade, com uma fervorosa vocação voltada para o magistério, que fez mudar para melhor, o destino de crianças pobres desassistidas de nosso bairro.