29 de mar. de 2008

O Quase

"Ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu ainda está vivo, quem quase amou não amou.Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, ás vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto.A resposta eu sei de cor, está estampada na distancia e frieza dos sorrisos na frouxidão dos abraços, na indiferença dos “Bom Dia” quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são.Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia á duvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque embora quem quase morre está vivo, quem quase vive já morreu."
Luis Fernando Verissimo - Um orgulho de nossa lingua portuguêsa, uma satisfação de ser brasileiro.

21 de mar. de 2008

Reminiscências de nossa infância

Dos românticos anos 60, as reminiscências de lugares, aromas e sabores que marcaram a infância na Laguna, reduto de belas recordações. O saboroso bolo de milho feito na folha de bananeira cozido na chapa do fogão a lenha ao tempo que a batata doce inteira e com casca, colocada providencialmente por minha avó, assava no calor do borralho. O café novo passado no coador de pano e adoçado no jarro de barro com pão de farofa e manteiga de colono, da feira do seu Effting, que ficava nas dependências do nosso Mercado. Língua vermelha dos sucos de groselha servido nos aniversários dos amiguinhos da rua, quase sempre presenteados com sabonetes. O agradável e borbulhante sabor dos guaranás Champagne, tomados no gargalo da garrafa, deixando a boca entorpecida e uma sensação de ar preso na barriga. A maciez e o sabor dos gostosos tabletes de côco (Dalva). Da puxa-puxa, pé-de-moleque e os cartuchos de amendoim comprados na quitanda do seu Vieirinha e da Dona Adalziza situada na esquina do campinho do Magalhães. Os pedaços de côco da feirinha do seu Vitalzinho, que ficava ali na rua João Pessoa. A delícia do picolé e sorvete de côco da sorveteria do seu Capanema. A galinha caipira ensopada criada no quintal de casa, servida com arroz e maionese nos almoços de domingo. E de sobremesa, a deliciosa caçarola italiana divinamente preparada pela mãe Maria. Os pastéis e quibes do Bar da dona Lizete, durante o intervalo do lanche, das nossas aulas no “curso ginásio” do CEAL-Conjunto Educacional Almirante Lamego. As “fatias douradas” e os “cavaquinhos”, feitos por minha mãe, nas abençoadas tardes chuvosas do inverno lagunense. O Alagamar, com muitos trapiches, suas bateiras e canoas, povoado de gaivotas e biguás; e os escondidos banhos de mar no “saquinho”. A paquera com as alunas internas do Colégio Stela Maris, durante o dia da procissão do Corpo de Cristo, que trabalhavam na confecção de tapetes. Beijos trocados com a namorada, mergulhado no brilho dos seus olhos, e na boca o sabor de chicletes de hortelã. Outros lugares, sabores e aromas foram próprios do nosso tempo de infância e juventude na saudosa Laguna. Só para encerrar, a carroça de água fresca da carioca, vendida de porta em porta; o cheiroso pacote de pão deixado pelo padeiro, ao alvorecer, nas soleiras de nossas janelas; os inventos do seu Olindino e seu serviço de alto-falante; e aquelas reuniões juvenis nas noites enluaradas da pracinha.