27 de mar. de 2020

Quarentena

E de repente a cidade vira um deserto de concreto, sombrio e mudo, sem teto, sem vida. Por entre ruas e vielas o silencio passeia impune, nas calçadas e jardins, cheio de lembranças e pleno de solidão. Na torre da Igreja o relogio, entoa seu som, marcando mais uma hora  de um tempo cheio de nada.  A incerteza do amanhã refletida no olhar das pessoas, denuncia um medo terrivel do inimigo que conhecemos só  de nome.
 Compulsoriamente recolhidos em nossos lares somos privados de cumprimentos efusivos e reuniões. O aperto de mão, e o abraço foi postergado por decreto e deu lugar ao afeto a distancia e outras maneiras pouco convencionais de cumprimento. É verdade que perdemos a liberdade das caminhadas de fim de tarde e o gole gelado daquela cerveja no bar da esquina, mas redescobrimos a oportunidade de recuperar os prazeres, de há muito esquecidos, nos arquivos de nosso convívio familiar. Teremos tempo para abrir o antigo álbum de familia guardado no fundo do armário, renovador das nossas recordaçoes;  recomeçaremos a leitura daquele livro, na pagina, que nem lembravamos mais; falaremos com ela aquilo que a pressão do tempo, nunca nos deixou falar; e quem sabe ate colocaremos a rodar, na antiga vitrola aquele vinil de Gonzaguina.  Sob o som de  Começaria tudo outra vez, dançaremos um bolero em nossa sala. E com a cuba livre da coragem em minhas  mãos, aguardaremos toda essa tempestade passar, para voltarmos a apreciar da sacada, o pôr de sol de nossos dias ensolarados de esperança.