17 de jun. de 2008

O passeio de um santo

Eu vi um santo passeando na noite de junho de Laguna. Muito iluminado, um meio sorriso no rosto, ele parecia levitar sobre o povo. Eram muitos os seus seguidores, e sua inconfundível silhueta destacava-se no meio da multidão. Uns carregavam cruz, outros acendiam velas e todos rezavam pedindo proteção divina e cura para suas agonias e preocupações. Debruçadas nas janelas, as pessoas oravam, enquanto os fogos de artifícios surgiam dos quintais das casas e ascendiam aos céus riscando o véu escuro da noite. Eu vi políticos alegres passeando a frente dele, dando uma trégua as praças e ao discurso de promessas fáceis, acenando e sorrindo para a multidão. Talvez até nem lembrassem mais, que no meio da barra da Laguna continua a ter uma pedra... Tem uma pedra no meio da barra da Laguna... Por onde passava, o nosso santo arrebanhava fiéis para acompanhar seus passos. Era um pastor reunindo suas ovelhas... cuidando do seu rebanho. Em frente ao seu templo gente que viera de todos os cantos, saudá-lo. Em sua maioria conhecidos conterrâneos lá de nossos tempos juvenis, agora já com cabelos embranquecidos, estampando no rosto alegre, a saudade e o desgaste dos anos. Eu vi moços e velhos a se emocionar com o repicar dos sinos da velha matriz e um espetáculo de fogos a brilhar no céu do jardim Calheiros da Graça. Ouvi atento, o nosso consagrado coral rezar a famosa trezena no eterno latim, recitado em gregoriano. Eu vi o discurso do orador a enaltecer autoridades e o povo ávido pelas lembranças distribuídas durante a liturgia. Na amostra de relíquias e coisas da terra montadas em estande em frente ao salão, a criatividade dos festeiros. Eu vi, por fim, uma procissão de abnegados fiéis, a acompanhar nosso santo pelas ruas da Laguna. É bem verdade que não havia um padre. Mas ficou também evidente, que o povo lagunense não precisa de intermediário para conversar com Antonio.

8 de jun. de 2008

Alma de um bar

Com nome nada convencional para um bar, o Necrotério é um templo. Pode ser também, um estado de espírito....Ele é o reino onde os solitários se sentem devidamente servidos de seus copos. Cismando. Refletindo. Arrazoando. Ponto de parada dos amigos, vindos de qualquer parte, em direção a praia do Mar Grosso, o nosso já consagrado bar encontra-se encravado num dos cantos da rua que circunda a praça Souza França (a pracinha) no Magalhães Testemunha auditiva e ocular dos acontecimentos do bairro, incentiva e participa da Corrida de São Silvelho, do baile das Bonecas, do esquenta do Bloco da Pracinha e do Boi no Rolete, do bloco do barulho; eventos consagrados do calendário de festas da cidade. Ele é o habitat comum dos confrades de copo ou simplesmente o local de papear com os amigos. Aliás, nada mais perfeito do que uma amizade iniciada no Necrotério. Os amigos dificilmente se visitam nas suas respectivas casas. Não tomam grana emprestada e não pedem para firmar promissória. No Necrotério fala-se de mulher – quase nunca da nossa – e de política, música e futebol. Mas não vale debater de modo tenso. É que lá não se vai para esquentar a cabeça. Camaradas do Necrotério bar são amigos de velhas jornadas. Um sabe como afagar o ego do outro; e suas divergências são quase sempre postas de lado. Eu falei, quase... Poderia ser mais um botequim qualquer, mas é o Necrotério, e o seu ambiente cheio de palavras amenas e discussões acaloradas, oscila freneticamente entre o santo e o profano. Tem hora que suas mesas são quase confessionários noutra palco de discurso e contestação. Numa mesma conversa, um companheiro ensina as saídas para os problemas materiais, um outro traz as últimas novidades para resolver as questões no plano sentimental. Desconfio até que sejam melhores do que o gerente do banco, o psicanalista e a cartomante. Já me fez até pensar se não seria mais perfeito que os consultórios de psicanálise tivessem mais cara de bar. O espaço se tornaria mais democrático. Os dois poderiam falar. È que observando o consultório freudiano ou junguiano do Necrotério bar, notei que ora se é analista, ora se é paciente. Sem dúvida alguma o Necrotério é um lugar sagrado. Ele inspira porres e papos, músicas e cantadas, frases e compassos, verdades e mentiras. Ainda que se sobreponha as mentiras sobre as verdades. Viva o Necrotério bar! Se Deus quiser e a cerveja não faltar.