25 de abr. de 2008

Flashback

Voltar ao passado em flashback, reviver e lembrar os anos 60, é ouvir Roberto Carlos. Cresci praticamente ouvindo suas canções. Como a música no tempo do carro Cadillac, tempo em que pagávamos os sorvetes das meninas. E, claro, todos gritavam: “Só quero que você me aqueça neste inverno....E que tudo mais vá pro inferno.”
Meses atrás Roberto Carlos fez um show no Centro de Eventos, em Florianópolis. O clima estava agradável como em uma noite de verão. Era grande a aglomeração de famílias com filhos e netos para ver o espetáculo.
Uma das coisas mais incríveis que o Roberto tem é a forma como ultrapassou todas as gerações durante todos esses anos. Geralmente sua platéia é formada por pessoas entre 25 e 80 anos. São grupos, casais, senhoras que vão assisti-lo, com saudosismo e expectativa.
Assistir Roberto Carlos é lembrar de muitas histórias. É impossível não ter saudades de um tempo em que a inocência pairava no ar. E a repressão também! As músicas eram vistas como algo subversivo e poderiam conter mensagens proibidas, dos cabeludos que eram vistos como transgressores da lei.
O rock era a coqueluche do momento. A última pedida de modernidade.Num tempo, onde as meninas de classe média cresciam em ambientes fechados e separados dos rapazes, e estudavam em escolas de freiras ( como o Stela Maris) ou nos colégios evangélicos.
A receita: repressão, provocações, formava o cenário para grandes paixões. Os rapazes de lambreta e carro Cinca Chimbord faziam o papel de playboys da cidade. As moças de saias rodadas e cabelos com laquê. Os rapazes com brilhantina nos cabelos, todos preocupados com a boa imagem, corriam em busca de um amor que durasse a vida toda. Amor que se via nos filmes de Romeu e Julieta. Era essa a mentalidade dos jovens do Roberto Carlos.
Em meio às lembranças, as canções vão surgindo uma a uma, “Emoções”, “È tão Grande o Meu Amor Por Você”.... o cantor resume seu imenso repertório colando o refrão de uma música em outra, deixando a vontade de ouvir todas até o final. Sensação de quero mais no ar! Quando as luzes se acendem temos a impressão que aquela viagem pelos corredores de nossa juventude durou apenas alguns minutos e não duas horas.
Roberto une dois mundos em suas canções. Antes, havia a fantasia, os sonhos, a espera, a descoberta que só acontecia após o casamento. Como toda dualidade humana, causa de muitas separações e divórcios porque não nos era permitido a possibilidade de conhecer com quem se casava. E a união acontecia com nossas próprias fantasias e desejos.
E a realidade trazia de novo Roberto Carlos por baixo dos caracóis e com canções como “em lençóis macios amantes se dão”.
Hoje o cenário é diferente. Acabou o sonho, as paixões arrebatadoras foram trocadas pelo “ficar” e pelas relações cada vez mais descartáveis como o copo e o prato de plástico. Fica a nostalgia, a saudade, o vazio e a perda insubstituível de um tempo de romantismo. Nós que bancávamos tudo, e agüentávamos firme sem reclamar, abriamos portas e dava a vez para as senhoritas, e ajudávamos a carregar pacotes. A educação, as gentilezas.
No discurso da igualdade das novas gerações há maior liberdade, mas também mais desconfiança, menos gentilezas e sutilezas, mais violência e erros nos relacionamentos com menos comprometimento. Evoluímos para melhor? Ou estamos experimentando extremos para afinal encontrarmos o ponto de equilíbrio?

16 de abr. de 2008

A morte da (minha) Menina

"Tentei pensar em outro assunto. Tentei. Mas não consegui (aliás, não consigo). O rosto da filha dele me vem a toda hora, o rostinho dela. Uma menininha. Li nos jornais que ouviram ela dizer: "pára, papai". Ela pediu para parar? Valha-me minha Nossa Senhora, ela pediu para parar? Parar o quê? Há quem critique a imprensa por estar dando um destaque exagerado ao assassinato da menina Isabella, inclusive vendo excessos naquilo que chamam de "condenação prematura" do pai e da madrasta. E eu, querendo me agarrar numa lógica que sempre segui, de ver os dois lados, esperar os fatos - como se essa lógica fosse uma bóia - só me afundo num mar profundo de raiva, de dor. Essa bóia não me serve nesse mar. É que me vem o rosto dela, já sonhei e acordei pensando nele. E fiquei obcecado pela voz também, de tal maneira que me pus em pranto outro dia quando minha filha disse "pára, papai", isso quando eu fazia cócegas nela. A morte da filha dele pôs a minha bóia, na qual venho me sustentando por uma vida, em xeque. Me surpreendi querendo vingança. Descuidado, pensei em justiça a qualquer preço. Perdi um tanto de civilidade. A briga, a surra, o desfalecimento. Em seguida, o teatro: o corte da rede, primeiro com uma tesoura, depois com uma faca (depressa, depressa!) e então o arremesso da criança AINDA VIVA. Valha-me, valha-me, valha-me o diabo. De que somos feitos? Quem é que somos? É possível alguma ordem nesse inferno? Houve um crime terrível. Uma menina foi morta. Não, ela não se chama Isabella. Essa é a filha dele. Houve um "outro" crime terrível. E esse diz respeito a mim. Dentro de mim morreu uma menina que, apesar de eu ter envelhecido sempre procurei mantê-la assim, uma criança. E essa menina eu chamava de Ilusão." De José Pedro Goulart-jornalista, cineasta e diretor de filmes publicitários. Porto Alegre-RS.
Para a reflexão dos leitores do papodaesquina.

10 de abr. de 2008

Conto da Cidade

No livro“As Cidades Invisíveis “ o escritor Ítalo Calvino descreve em contos surrealistas os relatórios que Marco Pólo faz ao rei dos mongóis ( kublai Kan) sobre as cidades que visita nas suas viagens pelo grande império do Kan. Cada uma tem uma característica que a marca e distingue, e todas com nomes femininos, chegando por vezes a assaltar-nos a dúvida se Calvino não estará no fundo a falar de mulheres e não de cidades. Não por acaso. Uma cidade, qualquer cidade, mesmo nossa Laguna, humilhada pelos descasos políticos e pela falta de planejamento administrativo, tombada como Patrimônio Histórico Nacional e sem a devida atenção que a riqueza de seu conjunto arquitetônico requer, com ruas seculares cansadas de cidadãos sem distinguir seu povo de turistas,.... é mulher brejeira, encantadora, charmosa, mostrando sempre e melhor o que lhe cai bem.
E como lhe caem bem os contrastes de mulher madura que não esquece o jeito de ser menina, com seus contornos sinuosos, suas praias bronzeadas ensaiando sorrisos manhosos. Como toda mulher, também tem labirintos curvilíneos que vão dar em recantos misteriosos ou em lugar nenhum. É da natureza das cidades, faz parte deste mundo feminino. Tenho fascínio por ela, a minha cidade, porque além de mulher ela é madura, e pensa -- mas só pensa -- que já viveu tempos melhores. Uma mulher, tranqüila mas com um pouco de ansiedade que pode passar noites em claro cuidando dos filhos famintos e desorientados, e dos amigos que já partiram.
E como toda mulher que carrega tantos anos, que já viu de um tudo - até do que Deus duvida -, e que já sofreu um tanto, nem sempre consegue esconder as cicatrizes que o tempo lhe legou. Mas, o que ela guarda mesmo são os fogos das viradas de ano, os carnavais em que ela é destaque e especialmente, os dias de glória. Então, depois dessas noites insones, essa mulher generosa sorri para o sol que nasce por sobre o Mar Grosso, lança uma piscadela de olho sobre o pessimismo das más línguas, oferecendo tendenciosa beleza aos amigos e caloroso conforto aos seus filhos. Como uma bela mulher, cuja beleza e história de vida tanto a deixou famosa, atrai gente de muito longe para apreciar seus contornos. Uma mulher tão linda -- e dizem que toda a mulher linda demais é perigosa – deixa os visitantes maravilhados pelas suas noites enluaradas. A cidade da Laguna, charmosa e sensual, inspira os sambas de nossos carnavais, encena peça sobre sua vida, navega pela Lagoa Santo Antonio dos Anjos, admira-se diante da Pedra do Frade, banha-se na Praia do Mar Grosso. Laguna é mulher sestrosa, sem ser indecorosa.
Se tem pecados, eles parecem reduzidos por uma Nossa Senhora da Glória, de braços abertos, disposta a perdoa-los. Quem a conhece não pode deixar de amá-la, pois quem a vê iluminada de noite ou iluminando um dia, por ela se enamora quase repentinamente. Quem nunca lhe viu de tão perto e idealiza sua beleza tão exposta, tem um pé atrás do otimismo, acha que ela pode ser traiçoeira. O contrasenso é certo. Mulheres sempre despertam sentimentos contrários, e inseguros. As regras são simples para entender esse mistério: morar com uma mulher, seja ela qual for, exige adoração pelo seu calor e desprendimento. Já, para um visitante ela oferece alegria, mas pede cautela e um punhado de respeito -- e pré-disposição para conhecê-la de perto. Por isso, peço licença para dizer a quem na cidade de Laguna ainda não conseguiu pôr os pés, por falta de oportunidade ou também para aqueles que não conhecem todos os seus (re)cantos: "A mulher que não se conhece são as ruas não atravessadas, são os outros caminhos possíveis."