2 de out. de 2013

O homem das tarrafas



Não vou falar de tempo ruim e nem de mais uma enchente que tristemente chega para atrasar a vida de todos, principalmente daqueles cidadãos mais desafortunados de nosso Estado.
Vou falar, sim, de uma dessas manhãs de sol que me dispus a caminhar pela Beira Mar, aqui em Florianópolis.
Num dia de céu limpo e temperatura agradável, caminhando no contorno da vegetação do mangue através da avenida da saudade, resolvi, finalmente, me aproximar e conversar com o senhor que costumeiramente, expõe e vende tarrafas naquele local.  Queria saber da maneira como fazê-las e de onde aprendera aquele costume, tão próprio, dos habitantes do nosso litoral.  Aproximei-me e comecei a puxar conversa. Ele apresentou-se como João e  logo se dispôs a me mostrar as tarrafas que já tinha confeccionado.
Eu comecei, então, a entrar em detalhes e perguntei-lhe se ele conhecia uma planta chamada Tucum. O cidadão logo abriu um sorriso e me fez lembrar a fiação do tucum, cujos fios, teciam-se as tarrafas e também as rendas de bilros- que vi minha avó, tão magistralmente tecer, ainda quando tinha meus 8 anos de idade. João falou do seu conhecimento de todas essas tradições  folclóricas que, infelizmente, está por se perder no tempo. Contou-me que chegou a participar da Fundação Franklin Cascaes onde tratava especificamente do resgate dessas tradições.
Eu queria saber mais da vida do cidadão e então perguntei de que região da ilha ele fora criado. E a resposta foi uma grande surpresa. João é natural da Laguna. Apresentei-me, como conterrâneo, e ele conhecia minha família. Sorriu muito, ao lembrar das caronas que pegava escondido, quando moleque, na locomotiva do porto, dirigida por meu pai.
Contou-me que era natural do Ribeirão, mas veio pequeno morar no Magalhaes. Primeiro na região da Coréia (Agora rua da Balça) e depois foi para a Ponta das Pedras. Veio nos anos setenta para Florianópolis. Seu pai era pescador e sempre fora muito envolvido com a política nos tempos da UDN, na década de sessenta. Seu nome era José. E por arrumar muita confusão durante sua aguerrida militância politica, na Laguna, recebera o apelido de Zé Diabo.
Era um tempo em que as famílias e consequentemente os políticos, nasciam e morriam, dentro de um partido. Os programas partidários eram bem definidos e diferenciados. Existia fidelidade partidária e os políticos ainda tinham vergonha na cara. Um tempo em que  a  instância superior do nosso Judiciário,  embasava suas decisões em cima da Lei e não do Regimento.
O homem das tarrafas, que parecia uma pessoa tão distante, mostrou-me o quão pequeno é este mundo. E, que da época do Zé Diabo pra cá o sistema político e o judiciário, neste país, infelizmente, mudou muito, pra pior.
Bons tempos, aquele do Zé Diabo. Bons tempos!