19 de fev. de 2024

Folhinhas






Quando o ano inicia começamos a receber uma variedade de calendários remetidos para nossos endereços.
Em Janeiro somos agraciados pelos calendários do Açougue, do Supermercado, da Farmácia e de outros tantos estabelecimentos comerciais. São de diversos tipos- de parede, de imã para geladeira, de mesa- todos úteis e bem- vindos. Ainda, dia desses, encontrei um daqueles que chamamos, adequadamente, de folhinha; pensei que não existissem mais. É constituído de um bloco de 365 pequenas folhas, uma para cada dia do ano, que se vai arrancando a cada dia e que trazem informações úteis sobre a fase da Lua, a estação, o santo do dia e, no verso, um pensamento. Mas na semana passada, um amigo me apresentou um que informa o que se comemora em cada dia do ano. Descobri-me, então, um ignorante de muitas coisas. Principalmente de datas comemorativas. Não imaginava a quantidade de homenagens espalhadas pelo nosso calendário. Algumas delas inusitadas. São muitas relacionadas a profissões. Por exemplo, o vendedor de livros – dia 14 de março- é uma dessas profissões que com o advento das grandes livrarias e as vendas pela internet, já está desaparecendo. Não se vê mais aquele vendedor de livros vendendo de porta em porta atrapalhado com sua carga pesada de enciclopédias. O dia 26 de abril é dedicado ao goleiro. Mas por que o goleiro? Porque o dia não é em homenagem ao futebol ou numa situação mais abrangente ainda, homenageando aqueles profissionais que se dedicam ao esporte? Vejamos esta agora! Dia 21 de maio homenageia-se a língua nacional e 10 de junho é dia da língua portuguesa. Será que não estamos comemorando a mesma coisa em datas diferentes? O amor é consagrado pelos dias: 12 de junho- dia dos namorados, 22 de setembro- dia dos amantes e13 de abril- dia do beijo. Mas não existe um dia especial para os esposos. Temos também, no nosso calendário o dia 11 de dezembro como o dia do tango. Não seria melhor que deixássemos esta homenagem para o calendário de nossos hermanos? Na área de alimentação temos o dia da Pizza-10 de julho, o dia do macarrão-25 de outubro e o dia do sorvete-23 de setembro, logo no inicio da primavera. Mas não temos o dia da feijoada, do churrasco ou do feijão-tropeiro? O da empadinha? Do pão de queijo? Do acarajé? Tudo coisa nossa! O dia do solteiro é 15 de agosto. Dependendo da idade, não sei se vai valer à pena comemorar. 13 de agosto é o dia do canhoto, mas também, maliciosamente, estabeleceram como dia do azar.
O dia do vizinho, 23 de dezembro, foi convenientemente empurrado para perto do Natal, justamente quando os mal-humorados baixam a guarda. Encontrei ainda, neste calendário, uma homenagem fútil – 24 de junho- dia do disco voador. Acredito que isto não seja idéia nossa. E outra irônica. 7 de maio- dia do silêncio. Acho que é para homenagear este mundo cada vez mais barulhento. E finalmente-7 de janeiro- dia do leitor- Já passou. Embora, tardiamente, presto minhas homenagens a você, leitor do papodaesquina.

18 de fev. de 2024

Pecado Capital

Nas minhas observações diárias sobre o comportamento social humano fico pensando nas nossas fraquezas. E de como o ser humano é, muitas vezes, refém de suas paixões. Dos sete pecados capitais, um dos sentimentos mais perigosos, é o da Inveja. Sobretudo porque ela nunca se apresenta como tal e o seu grau de destruição costuma ser máximo. A inveja, nós sabemos, é um sentimento, até certo ponto natural, mas não se pode perder de vista; ela tem um viés patológico. Isso pode acontecer quando a intenção do invejoso já não é mais a realização de seus desejos; mas, principalmente, que o ser invejado não realize os seus. Aí, é doença, e como tal precisa ser tratada. O invejoso, do tipo pernicioso para as relações interpessoais, é aquele que se sente fracassado em determinadas áreas da vida e, para não sentir raiva de si mesmo, transfere esse ódio para o semelhante que alcançou o reconhecimento que ele, o invejoso, não conseguiu alcançar. O invejoso não deve mostrar o objeto ou motivo da sua inveja, pois nessa atitude poderá desmascarar-se. A inveja doentia é típica dos medíocres, daqueles que ficaram abaixo do potencial sonhado, dos que conhecem as próprias limitações, embora nunca o confessem. Mas o que move esse sentimento destrutivo é sempre a argúcia e a paciência. A inveja pode ser fascinante, pois os que dominam esta arte têm que conhecer bem os pontos fracos das pessoas que odeiam. Passo primordial para, sobre elas, construírem a lenda devastadora. A inveja, pelo que contém de nociva para as relações humanas, deve ser exorcizada. E do invejoso deve-se manter, se possível, bastante distância, apesar de estar provado cientificamente, que a inveja faz mais mal ao invejoso que ao invejado. Invejoso e invejado convivem, muitas vezes, muito próximos. Eles se diferenciam pela ação. O invejoso, perigosamente, está sempre movendo uma pedra, articulando uma surpresa, maquinando, alimentando, regando o ódio que tem dentro de si, para, na primeira oportunidade, atingir o alvo da inveja. Há um ditado popular que diz: “a inveja mata”. E é verdade, porque ela, a inveja, desequilibra emocionalmente o invejoso. O sucesso, o reconhecimento, a felicidade, a conquista do ser invejado faz mal ao invejoso. Quase sempre ele se vê tomado de tristeza, na mesma proporção da felicidade experimentada pela pessoa alvo da sua inveja. Se levarmos em consideração que o invejoso está em todos os lugares, em todas as corporações, sempre maquinando e perseguindo, a única coisa que poderemos fazer é pedir a Deus que nos proteja e nos mantenha distante desse ser pérfido.

Antiguidades


Dia desses quando passava em frente ao prédio do antigo Colégio Stela Maris, lembrei das aulas de datilografia ministrada pelas irmãs daquele estabelecimento, ainda na década de sessenta. È isso mesmo,... aulas que ensinavam a datilografar na maquina de escrever. E aprendia-se a bater nas teclas com os dez dedos. Era um processo todo mecanizado. Foi quando me veio a lembrança a imagem e o formato das máquinas de escrever Olivetti e Remington e também de toda uma gama de produtos comercializados, naquela época, que o desenvolvimento tecnológico e social tornou obsoleto ou em desuso. Lembram o quanto era elegante portar caneta Parker 51, ou mesmo uma Sheafers? E daquele famoso óleo glostora que se passava no cabelo para dar brilho? Tinha até um cidadão, na nossa cidade que de tanto usar, ficou com o apelido do óleo. A Lambreta e a Romiseta eram as motos da moda. O Cadilac, Pontiac, Wemaguete, Doufini, Gordini e o enorme Hudson faziam parte junto com o Fusca e o Oldsmobile da relação de carros que faziam a nossa cabeça. E aqueles discos da RCA Victor, Philips, Continental, Odeon, Copacabana, Poligran de 78 e 33 rotações? Eram todos de vinil. Esses discos apareceram em 1948. Até hoje tem gente que vai longe, atrás deles para sua coleção. Lembro-me de um amigo de adolescência, o Lucio. Na sala da sua casa tinha uma vitrola, com um som muito bom, cujo móvel ocupava quase todo o cômodo. Era de causar inveja. Algumas vezes, passamos as tardes de fim de semana, ouvindo os Compactos e Lp’s do Renato e seus Blue Caps, Celi Campelo, Demetrius, Roberto e Elvis Presley. Os discos eram empilhados num braço mecânico do aparelho que os colocava um a um a tocar. Os aparelhos de TV GE, Semp, Admiral e Windsor, geravam imagens em preto e branco... uma maravilha... e nossas roupas eram confeccionadas nas, então modernas, maquinas de costurar Singer, Vigorelli ou Elgin. Minha mãe tinha uma Singer. Era impulsionada com os pés, através de um grande pedal. Ela a usava para reparar e fazer muitas das nossas roupas de uso diário. Existe, até hoje, como relíquia na casa de uma das minhas irmãs. E a cera parquetina que deixava o assoalho brilhando através das barulhentas enceradeiras Lux. Quem de nós usou as camisas volta ao mundo, as blusas Ban Lon e as calças de Brim Curinga que não encolhiam? E o suco de groselha, o Q-Suco, o Grapett e o Crush das nossas festinhas? Quem se lembra do brinquedo bambolê que surgiu no ano de 1958 nos Estados Unidos? As meninas viviam balançando o corpo naquele brinquedo. A pomada Minancora era a última descoberta para o tratamento do Acne. Os adolescentes, dormiam com suas caras lambuzadas de branco. Quem nunca teve em casa uma maquina Kodak, Polaroid? Lembram-se da Rolleiflex? Era complicado lidar com ela. Quem nunca usou meia de nylon Lotus, cobertor Parahyba ou tomou Biotônico Fontoura? E o sabão granulado Rinso, a alegria do tanque? Lembram? Vai ver que você, quando menino, chorou no filme Marcelino pão e Vinho (1958) e assistiu o filme La Violetera com Sarita Montiel. Lembram quando nos encantava por aquela menina do nosso bairro e a chamávamos de Brotinho? E a missa, que o padre rezava no altar de costas para os fiéis, falava em latim, e as mulheres comungavam de véu preto ou branco. Tempos modernos, aqueles, né? Eu vou parar por aqui porque a minha passagem em frente ao Stela Maris está a denunciar meu verdadeiro tempo. Até breve!

Um tributo a mãe


Quem consegue esquecer sua mãe? A minha partiu muito cedo. Eu já tenho mais idade do que ela, quando me deixou. Mas sua imagem está aqui, guardada dentro do meu coração. Eram tempos difíceis aqueles que vivenciamos. Mas sua personalidade marcante e sua fortaleza diante das adversidades, vencia todas as dificuldades. Tinha uma fé inabalável na vida e sempre surgia nas manhãs dos nossos dias com um brilho de otimismo no rosto. Capaz de derramar lágrimas de saudade e de dor mas, ainda assim, insistir para que partíssemos em busca do que nos constituísse felicidade ou significasse nosso progresso maior. Tinha lágrimas especiais para os dias da alegria e os da tristeza, para as horas de desapontamento e de solidão. Dos seus lábios saiam palavras certas para o filho arrependido pelas tolices feitas. Festejava a beleza da paisagem e os encantos da vida. Uma verdadeira mulher. Minha mãe. Na comemoração do seu dia, em reunião com amigos, vejo filhos felizes lhes ofertando rosas vermelhas. E no silencio da ausência, eu te homenageio- mãe, depositando no altar junto ao livro sagrado, um botão de rosa branca. Símbolo maior da minha devoção e da minha saudade àquela que me trouxe à luz e que hoje descansa em paz, no oriente eterno, junto de Deus. Exemplo sagrado de mulher que também se chamava Maria, tal como a mãe de Jesus.

Meninos e heróis


Estava pensando sobre a minha geração, e acreditem: Fomos uma geração de bons meninos. E credito isso aos nossos heróis dos quadrinhos. Eramos viciados nos gibis. A prática e o ideal do bem eram copiados do Batman e Cia., assim como o medo do inferno, os valores da família e os ensinamentos da escola. Eram exemplo máximo de bravura, doação pessoal e virtude,... nossos heróis. O largo campo de nossa fantasia infantil era abastecido de ética, pelos gibis, que não cobravam a lição. Nós queríamos ser retos e bons, também por causa dos heróis. Convivíamos com o bem na nossa imaginação porque o bem era a condição do herói. A lei e a ordem eram a regra dentro da qual transitavam os heróis. Eles eram o lado certo que combatia o lado errado. Hoje, não sei mais como está. Parei de ler os gibis. Mas sei que nos anos 70 e 80 surgiram outros heróis, mas alguns parecem cheios de ódio, como o Wolverine, ou vitimas confusas sem a devida noção de bem e de mal, como o Hulk, ou presas possíveis da vaidade como o Homem Aranha. Ficou complicada a simplicidade do bem. Na televisão, os heróis urram, gritam, destroem, torturam, ficaram estridentes como os arquiinimigos maléficos. Não são simples, e retos, e fortes, e afinados com seus dons, como os heróis clássicos; são complexos, e dramáticos, e ambíguos, como nosso mundo atual. Não esqueço as vendas e trocas de gibis nas tardes das matinés do cine Mussi. Era um alvoroço, só! Corriamos ao encontro daqueles que nos traziam as novidades. O Capitão Marvel que gritava Shazan, salvava o planeta e voltava novamente a ser o pequeno locutor de rádio Billy Batson. Mandrake fazia um gesto hipnótico e a arma do bandido virava uma flor. O super Homem para com as mãos um trem com vítimas em perigo. O Homem borracha esticava-se no asfalto e salvava a criancinha no alto do edifício. Dick Tracy corria com seu relógio falante e sua lanterna e iluminava um crime. O misterioso senhor Walker tirava o sobretudo, o chapéu e os óculos escuros, tornava-se o Fantasma e marcava o queixo dos bandidos com o anel de caveira. O Tocha Humana e o amigo Centelha incendiavam- se e torravam os malfeitores. O Homem-Morcego e Robin atendiam ao chamado do holofote que projetava nos céus a imagem do morcego e destroçavam os inimigos do Bem com incríveis acrobacias. Flash Gordon derrotava o Mal em planetas distantes. O Príncipe Valente e a espada cantante defendiam a princesa Aleta e o reino contra os bárbaros. Nós, pequenos, confusos, e medrosos queríamos ser virtuosos como nossos heróis. Não tenho e não conheço quem tenha tamanha generosidade. Mas acalento a expectativa que tal virtude se manifeste em alguém que eu conheça. Não em mim, modesto de santidade e pobre de ação, mas em alguém. Nossos heróis abriam mão de necessidades pessoais, do amor de sua vida, arriscavam a vida no cumprimento da missão que se impuseram. Quando chegaríamos a este ponto de renúncia? Nunca! Mas o importante é que o, ideal, ficou. Eram modestos. Muitos deles tinham uma identidade secreta. Longe deles o aplauso, a pretensão ao brilho e a tentação das revistas de celebridades. Nada os intimidava. Coragem, era uma de suas marcas registradas. Atualmente, eu? Tenho mudado de calçada, desconfiado de que a diferença entre um cão e um leão é a jaula. Prudência e canja de galinha não faz mal a ninguém. Difícil avaliar quanto dessas virtudes resistiu dentro de nós. Difícil!

A hora da Ave-Maria


Quando o dia sumia pela tarde, escura, feito noite, ouvíamos onde estivéssemos a hora da Ave-Maria sintonizada nos rádios de todas as casas. Então, sabíamos que nossas mães estavam nos chamando assim como nossas mães sabiam que já era hora de nos chamar. Os pais chegavam perguntando pelos meninos. Aqueles que tinham pais mais austeros eram os primeiros a deixar a rua. E sempre deixávamos a brincadeira de lado; o futebol no campinho, o jogo de pião e corríamos para nossas casas. E, naquela época, rua era qualquer lugar fora das paredes de casa. Porque muros não existiam por pura falta de necessidade. Também não havia despedidas. Somente a benção ao deitar. Tudo era uma continuação. Empresta-me que amanhã te devolvo..., outra hora te pagarei...e, assim seguia a vida. Na doença precisava-se da ajuda de todos. E ela era aplacada com o chá de cana- do- brejo ou de quebra- pedra muito farta nos quintais da vizinhança. Dos pais falava-se pouco. Sabia-se menos. Eles viviam trabalhando. Os amigos mais atentos avisavam aqueles mais distraídos: “Teu pai acabou de passar”. Tudo acontecia no tempo de duração da Ave Maria. Todos se benziam no inicio ainda na rua e no fim quando já estávamos em casa. A esquina ficava triste e vazia; e nenhum de nós, imaginava que alguns não teriam tempo de lembrar desse tempo. Outros se encontrariam com os olhos úmidos de lembranças. Outros, ainda, escreveriam sobre ela com os olhos secos e a letra tremida. Não desconfiavam que aquela foto de meninos assustados já estaria desbotada. Que nossos medos seriam outros e nossa solidão não poderia ser disfarçada combinando nada para amanhã. E não se saberia mais que o dia acabou por não haver brincadeiras a encerrar, nem gente doente e viva precisando de chá. Mas se saberia que a escuridão de fora, que anunciava a noite, seria atenuada pela iluminação elétrica das luzes da rua. E a de dentro já não seria ouvida por mais que se rezasse Ave- Maria.

O tempo e a paisagem


Quando o tempo é de tormenta não se vê beleza na paisagem. Foi o que constatei naquela visita que fiz a um parente, no hospital de Caridade, aqui em Florianópolis. O vai e vem de carros apressados, subindo e descendo o morro. O semblante de pessoas preocupadas e de outras tantas aliviadas pela recuperação de seus familiares. E uma movimentação intensa dos profissionais de branco naquele imenso complexo hospitalar. Enquanto descia o pavimento de onde me encontrava observava o trabalho das pessoas. Um corre-corre diário, nos corredores do prédio, para dar cabo a tarefa imposta pela responsabilidade da cura. Sai prédio, afora, para respirar outro ar e me debrucei na mureta que permite vislumbrar parte da cidade. Meu pensamento vagava ao longe, lá pelas vizinhanças do Cambirela, quando um senhor cumprimentou-me e aproximou-se de mim. Encostado no muro pôs-se a olhar para o prédio do hospital. De costas para a cidade perguntou-me se eu tinha algum familiar ali. Respondi-lhe que sim e perguntei-lhe o motivo dele estar ali. Disse-me, sem rodeios, que era natural de Lages e viajava quinzenalmente para fazer aplicação de quimioterapia porque era portador de câncer. Diante de sua disposição em conversar, francamente, perguntei-lhe se ele vinha acompanhado de algum parente, uma vez, que tal tratamento debilitava muito o paciente. Respondeu-me que profissionalmente era motorista e vinha sozinho, dirigindo; fazia a aplicação, ficava um ou dois dias internado, se recuperando, e voltava para sua casa. Depois de me ouvir falar da sua coragem e disposição, ele adiantou-me que tal tratamento era extremamente necessário para mantê-lo vivo; mas, no entanto, o aparelho de quimioterapia encontrava-se danificado havia quinze dias. O que estava o deixando desanimado e apreensivo. Sem saber o que dizer, diante de tamanho problema, despertei sua atenção para a beleza da paisagem que aquela construção propiciava. Relutante em olhar para a cidade ele confidenciou-me que melhor seria não ter que subir até lá. E que naquela circunstância qualquer paisagem por mais bela que fosse não seria capaz de lhe despertar qualquer sensação de beleza. Admirado com sua afirmação, despedi-me do senhor para atender ao chamado de um parente convidando-me a deixar o local.

Lição de vida


Era um homem com o dom da alegria – o que não quer dizer necessariamente que fosse sempre feliz; quer dizer que ele era capaz de rir e sorrir de coisas tolas, de continuar olhando com otimismo a vida mesmo na adversidade. Como ser humano e normal tinha defeitos, mas eles se perdiam diante da grandeza de suas qualidades. De poucas palavras mas de gestos fortes e marcantes. Sua presença era a harmonia do ambiente. Gostava de reunir seus filhos e senti-los por perto. Tinha um respeito admirável pelo ser humano. Dificilmente levantava a voz para alguém. O seu olhar era o sinal de aprovação ou desaprovação de nossos atos. Dedicado ao trabalho, conduzia a locomotiva sobre os trilhos como se eles fossem a sua própria estrada da vida. Sempre alimentava a esperança de um futuro melhor com a frase irônica que nunca saiu de minha memória. “Se vier o que eu estou esperando...” Onze anos se passaram e, de fato, nunca esqueci essa perda. No seu dia uma parte de mim chora essa ausência. Com meu pai aprendi de caráter, de humildade, generosidade, esperança, lealdade e verdade. Aprendi de perdoar – muitas vezes, a mesma pessoa todos os dias. Aprendi que sem trabalho não há sorte que nos acompanhe e que é preciso insistir. E também me lembro que entre tantas coisas boas que minha memória abarca dessa figura tão especial para a minha vida, uma das lições mais importantes que recebi do meu pai foi a de que nada deve nos paralisar. Ensinou-me que sempre deveremos ter o tempo como nosso aliado. Ele ajuda a resolver a maioria dos nossos obstáculos e descaminhos. Foi com essas lições que aprendi a me manter de pé, mesmo com ventos nem sempre favoráveis... Obrigado, pai, pela bonita lição de vida.

A história negligenciada


O vento sul que encrespava as ondas da lagoa não perturbava o sossego das águas das docas. Lá descansavam as embarcações. A tranqüilidade da rua Gustavo Richard só era abalada pelo som abafado do samba, dentro do mercado, festejando aquele último sábado de julho. A semana cultural comemorativa aos 335 anos de Laguna, chegava ao fim. Ad meridiem brasilian dvxi.
Daqui partiram a maioria das expedições que foram povoar os campos do Rio Grande do sul e o planalto serrano. São mais de três séculos de história. Quantas outras cidades do sul brasileiro são detentoras de tamanho curriculum histórico?
Daria para contar nos dedos. Isto já justificaria uma abordagem mais significativa à semana cultural Lagunense. Mas o evento é negligenciado pela Administração Municipal. Carece de uma estrutura organizacional capaz de contribuir para o calendário turístico da cidade. Não chega a empolgar o público lagunense e está longe de atender as aspirações do recurso turístico instalado na cidade. Quem conhece as cidades de Gramado e Canela no rio Grande do Sul sabe do que estou falando. Apresentam pouco atrativo turístico natural, mas sabem aproveitar com eficiência e organização aquilo que está a sua disposição, o frio. Aqui com todo esse belo visual a beira do Atlântico e com uma cidade cujas ruas e edificações contam, por si só, uma boa parte da história do sul do país, mostramos incapacidade política e organizacional para elaborar um projeto cultural que atraia turistas e propicie uma participação efetiva do nosso povo. Vamos aguardar pelos 336 anos de Laguna. Infelizmente, esperar, continua sendo a sina do lagunense.

A pílula da vida

Nesse tempo de informação virtual a educação está, forçosamente, a passar por uma revolução na sua maneira de ensinar. As crianças já nascem predispostas a interagir com o atual mundo cibernético que vivemos. Eu estou constatando essa verdade no convívio diário que tenho com meu neto,Henrique. Ele tem apenas cinco anos e já lê tudo; escreve a grande maioria das palavras. Navega pela internet nos sites de desenhos infantis e realiza pesquisa no google . Eu tenho que estar sempre preparado para suas perguntas. A vivacidade dele, às vezes, deixa o vovô atrapalhado. Dias desses estávamos sentados no meio da sala arrumando seus carrinhos e ele de repente começou a me olhar e chorar copiosamente. Eu, assustado, perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele falou-me que eu estava envelhecendo e que iria morrer. E ele não queria que isso acontecesse. Fiquei desconcertado, não sabia o que dizer diante de sua constatação. Achei que falar a verdade não ajudaria em nada, naquele momento. Emocionado pela preocupação do Henrique e penalizado por seu choro, falei-lhe que não chorasse mais porque os cientistas da Nasa estavam pesquisando uma pílula para que ,no futuro, as pessoas não morressem. Era a pílula da vida. Ele imediatamente deixou de chorar e me ouviu atentamente. Usei um artifício nada pedagógico para aliviar a dor do Henrique pelo sentimento da possível perda do vovô, e a minha de vê-lo chorar. No dia seguinte, entretanto, minha filha me telefona e pergunta da história, porque o Henrique havia anunciado aos amiguinhos da escola a grande descoberta. Falou aos colegas que iria dar a pílula para o vovô e seus pais. Ela ainda acrescentou que se sentiu na obrigação de contar ao Henrique que isso não era verdade. O fato estava consumado. O efeito colateral do remédio para choro, que eu havia dado ao Henrique se manifestara. Um dia após esse acontecimento o Henrique volta a me visitar e me fala o inevitável. A mamãe lhe dissera que a pílula da vida não existia e que tudo era fantasia. Eu lhe respondi que era verdade o que a mamãe lhe falara. Mas, também, expliquei que a ciência cria a cada dia remédios cada vez mais eficientes e avançados e que os cientistas estão permanentemente pesquisando novas maneiras saudáveis de viver e descobrindo formulas de remédios capazes de prolongar por muito tempo a vida das pessoas. E que num futuro muito próximo, talvez, a pílula da vida poderia ser uma realidade. E o vovô, então, poderia permanecer por muito tempo ao lado dele. Ele acenou positivamente com a cabeça e abraçou-me. Esse acontecimento mostra o quão importante são nossas atitudes para com nossos filhos e netos. Para eles nós estamos acima do bem e do mal. Daí nossa responsabilidade com o que dizemos e fazemos. Que Deus proteja a sagrada ingenuidade de nossas crianças e abençoe o meu Henrique.

A balada do soldado



A “Balada do soldado” é um filme inesquecível que assisti no nosso antigo Cine Teatro Mussi, na década de sessenta. Naquele cinema aconteciam as sessões dos renomados filmes estrangeiros apresentados, pela primeira vez, na região sul do nosso Estado. O filme é uma produção em preto e branco; e eu deveria ter uns dezessete anos de idade quando assisti. Não o esqueci devido a sua comovente história. Durante a 2ª Guerra um soldado que fez uma bravura em campo de batalha recebeu como recompensa seis dias para visitar sua mãe num vilarejo distante. Na viagem que empreendera, esse soldado viveu uma grande aventura, passando por dificuldades e cruzando com diversas pessoas ,entre elas a mulher por quem se apaixona. Os dias da sua viagem foram, de tal maneira, consumidos por acontecimentos tão inesperados, que ele só teve tempo de chegar, beijar sua mãe, e voltar novamente para o front. Um filme puro, ingênuo e sonhador que reflete claramente o romantismo daquela época de anos dourados. Onde o amor e a fraternidade humana ditavam a tônica das relações sociais. Passaram-se mais de duas décadas, e eu sempre me pusera a procurá-lo, timidamente, sem conseguir. Nas minhas infrutíferas tentativas de encontrá-lo comecei a descobrir que se tratava do filme de um cineasta russo, lançado em 1959, com um estrondoso sucesso e detentor de diversos prêmios internacionais. Mas certo dia numa reunião familiar na casa de minha irmã, ao conversar animadamente sobre cinema com um sobrinho, ele me falou que costumava procurar filmes em sites gratuitos na internet e gravar em DVD. Ao falar-lhe da existência desse filme disse-me que não o conhecia mas procuraria e se, por acaso, encontrasse gravaria para mim. Responsável pelas mudanças inexoráveis do nosso cotidiano, o tempo tem o poder também de mudar as circunstâncias pelas quais passam nossas vidas. Quis, então, o criador que o Alexandre deixasse o nosso convívio e fosse fixar morada na eternidade. E aquela sua promessa se perdeu nos arquivos de minha memória. Entretanto, dia desses, numa visita a família em Laguna, uma surpresa veio avivar minha memória e tocar o meu coração. Minha sobrinha presenteou-me com o DVD, que havia perdido, explicando que o Alexandre, antes de partir, lhe fez prometer que o entregaria a mim. O presente do Alexandre me proporcionou uma agradável viagem no tempo e me fez revirar o baú do passado nas cenas daquele memorável filme. Que Deus o abençõe.

A sexta-feira dos meses

De onde será que vem a magia do Natal? Eu acho que ela surge da fé que move os corações dos que ainda creem no amor. Daqueles que acreditam na esperança de um mundo solidário, fraterno e justo para todos. Dos que guardam dentro de si, ainda um pouco da frágil, mas intensa e poderosa ingenuidade de criança. Somente a pureza dos sentimentos mais nobres é capaz de nos envolver na atmosfera do espírito natalino. E isto acontece justamente em Dezembro. Mês no qual sentimos a expectativa do fim e também do recomeço. Ali despertamos nossa consciência para a finitude da vida. E de como o tempo está feito água, escorrendo pelas palmas de nossas mãos e nos abandonando pelas pontas do dedo. Muito provavelmente não será por isso que nos tornamos mais sensíveis aos apelos de nossos semelhantes. Talvez tudo aconteça por causa do contagiante poder de bem querença que tem o clima de Natal. È como se a fada da bondade nos tocasse com sua varinha mágica e nos despertasse para aqueles sentimentos que ficaram esquecidos nos onze meses que se passaram. Em Dezembro, tem-se a impressão de que o que vai acabar não é o ano, mas, sim, o mundo. E é assim mesmo. Gastamos o que não temos. Festamos todos os dias. Anunciamos aos que amamos o quanto eles nos são caros. O interessante é que passamos economizando. Camuflamos nossos sentimentos e ficamos em casa quase o ano inteiro. Enfim, hibernamos onze meses para viver, dezembro. A sexta-feira dos meses. Quem dera todos os meses do ano feitos de Dezembro.

O carnaval da Laguna

Nós, da terrinha, somos todos, de uma maneira ou de outra, ligados ao carnaval. Podemos dizer que somos foliões, em potencial. E isso pode ser explicado pela maneira alegre e espontânea que encaramos a folia de momo. É uma tradição quase secular. Brincar o carnaval na Laguna é um costume que passa de geração para geração. Ainda criança, nossos pais, como se fosse um ritual de iniciação, levávamos para acompanhar os desfiles, das então agremiações carnavalescas, pelas ruas da nossa cidade. E até hoje é assim. Confesso que não estava programado para passar o carnaval na Laguna, este ano. A Luisa, a mais nova integrante da família, com alguns dias de vida, era um motivo forte para isso. Mas tudo estava acomodado e no seu devido lugar. E no sábado o impulso falou mais forte. Tomei a BR em direção ao sul. Daqui de Florianópolis até Laguna está uma tranqüilidade viajar. Quase toda a estrada está duplicada. Ao chegar notei, como sempre, a cidade lotada e já respirando o ar do clima de carnaval . O desfile das escolas de samba foi o meu programa da noite até a cinco horas da madruga de domingo. Havia cinco anos que não me dispunha a assistir aquele evento. Estranhei o pouco comparecimento e a falta de empolgação do povo. Eu acho que estou ficando um pouco mais observador e exigente em relação a certos quesitos apresentados pelas nossas escolas. Mas deixa isto pra lá. Porque o forte do nosso carnaval, atualmente, é mesmo os blocos de rua. O Bloco Rosa, dispensa apresentação. É sempre uma atração à parte. Sua organização trouxe para a folia o ator Malvino Salvador. Delírio da mulherada. O Bloco da pracinha, com sua democracia peculiar arrasta uma multidão. Nele não se precisa de apresentação e nem abadá. É só vencer o cordão de isolamento da timidez e seguir atrás do trio elétrico. O mais democrático bloco de rua do sul do país sai à rua nos domingos ensolarados do carnaval lagunense. Traz consigo a alegria do que há de mais representativo na sociedade. Políticos, trabalhadores, e empresários; pobres e ricos todos irmanados na agradável missão de sorrir, de festar e até chorar de alegria no reencontro de amigos, afastados da terra, pelas contingências da vida. Ele é a procissão da festa pagã mais popular do nosso carnaval. O profano que se tornou sagrado, consagrado pelo poder da contagiante alegria do folião lagunense. Salve o nosso carnaval. Que ele perdure e se torne eterno nos nossos corações.

Eu e o Carnaval

Eu ainda gosto de Carnaval! Embora a minha vida de exuberantes carnavais, passados na querida Laguna, os anos não me trazem mais. Eram carnavais mais fraternos. Conhecíamos uns aos outros pelo nome e nossa folia trazia em seu âmago um tipo de cumplicidade responsável . Se é que podemos assim, falar. O ambiente carnavalesco cercado de uma atmosfera mais pura e solidária refletia em nosso comportamento, também, mais singelo. Brincávamos com mais entusiasmo. Éramos mais reais e muito pouco artificiais. O mundo virtual da internet ainda não rondava as nossas cabeças. As fantasias, os colares de plástico, os martelinhos que faziam um barulhinho irritante, serpentinas e confetes que grudavam no suor de nossa alegria carnavalesca eram adquiridas na Casa Linda Baiana do seu Batista. Lembram? A única que vendia todos os apetrechos de momo. Ficávamos horas sentados no meio fio da rua Gustavo Richard esperando o desfile das escolas. As cadeiras, que carregávamos de casa, para nos acomodar durante o desfile, enfileiravam-se pelas calçadas, ao longo do cordão de isolamento. Quando observadas de cima, pareciam formar a moldura de um grande quadro retangular desenhado sobre a rua da praia, onde a tela principal eram as apresentações das fantasias e dos enredos das escolas que por ali desfilavam. Um sonho de verão muito particular, muito nosso. O universo do carnaval estava restrito aquele maravilhoso pequeno mundo que conhecíamos. Nosso pequeno grande mundo. Hoje, com o desenvolvimento tecnológico e do aparato informativo, a forma como as pessoas encaram o verão e brincam o carnaval, mudou. E eu já não tenho mais aquela disposição para enfrentar estradas cheias, praias lotadas, aquela urgência louca de beber até se acabar, virar a noite pulando e acordar em casa com uma ressaca gigante. Os amigos decretam a minha velhice anunciada, pode até ser..., pode ser..., mas eu sinto muito mais prazer em ficar de longe no canto da casa na rua Getulio Vargas nº 80, me balançando timidamente, olhando a multidão e ouvindo o som do possante trio elétrico do já consagrado bloco da Pracinha. Eu e o tempo mudamos mas, continuo gostando do nosso carnaval.