17 de dez. de 2009

Um outro tempo de Natal

No canto mais visível da sala de estar a grande flor de Napoleão rodeada de grama estilizada em arvore de Natal. Sem iluminação, e decorada com enfeites provisórios inventados na última hora, ela representava a humildade de uma simples família e retratava o que havia de mais singelo dentro de nós. Na véspera da chegada de Noel admirávamos o céu de Laguna de noite tranqüila, e de um absoluto silencio; parecíamos tomados de um profundo encantamento. A pouca iluminação elétrica das ruas daquela época, ainda possibilitava uma visão deslumbrante do infinito. Admirávamos a lua e a claridade de muitas estrelas. Uma delas mostrava-se tão brilhante e grande que imaginei fosse aquela que tantos séculos atrás, naquele mesmo dia, indicara o caminho aos reis magos, como parecia naquele momento indicar-nos o caminho de nossos futuros. Ao acordar, na manhã de Natal, sempre havia um presente junto à árvore. Papai Noel viera nos visitar. O cavalo de pau com a máscara e a capa do Zorro, o pássaro de madeira que quando empurrado batia suas asas ou o meu primeiro brinquedo de plástico uma bonita carruagem puxada por dois cavalos movidos “à corda” ( Era igual aqueles despertadores antigos que para funcionar precisava-se “dar corda”). Essas foram minhas primeiras boas experiências de menino com o ambiente festivo natalino. E desde estas mágicas experiências inesquecíveis de criança, de espera e recompensa, o natal começou a significar pra mim um momento privilegiado em que colocamos entre parênteses as desigualdades e mergulhamos fundo na unidade. Agora já adulto, a cada Natal relembro aquelas noites. Mas não foram aqueles presentes as lembranças mais fortes. Inesquecível era a boa sensação de paz que me trazia aquela esperança de Papai Noel de noites claras. Era mágico poder ver o céu com tamanha nitidez. Nossos olhos infantis vasculhavam, nervosamente, as constelações procurando entre as estrelas algum sinal do velhinho. Existia uma proximidade maior entre nós e o céu. Tínhamos a sensação que ele estava logo ali, acima de nossas cabeças. Hoje, o vai e vem de carros e o brilhar das luzes das cidades, ofuscam a beleza da contemplação noturna do firmamento. E ao tempo em que perdemos contato com o natural cedemos espaço a superficialidade. Assim acontece, também, com os eventos que consideramos sagrados. Mergulhado no impulso consumista e num barulhento apelo comercial, o Natal vai, sistematicamente, sendo distorcido no tempo. As árvores natalinas ganharam tecnologia e opulência alcançando valores que, ás vezes, constituem verdadeiros “presentes” ao interesses políticos e comerciais. E a festa de Natal tomou os espaços dos grandes shoppings para o arregalo dos olhos de crianças frenetizadas pela propaganda, cada vez mais direcionada as suas curiosidades. Tentamos a todo custo corrompê-lo no seu autêntico sentido. Mas, apesar da agitação feroz na tentativa de distorcê-lo, seu verdadeiro espírito ainda sobrevive, sob a inspiração da pureza do coração das Crianças. Persiste, iluminando nossos pecados e imperfeições, fazendo-nos esquecer, ainda que por poucos dias, de desencontros e aborrecimentos, impulsionados pela força e pela magia do espírito de Natal.

6 de dez. de 2009

O panetone nosso de cada dia

As imagens divulgadas na TV mostram uma bandidagem escondendo dinheiro no bolso, na cueca e nas meias, no episódio do mensalão, tudo isso prá quê? Oh, céus, pra comprar panetones e distribuí-los aos pobres. Estava lá o primeiro escalão do governo do distrito federal e o próprio governador José Roberto Arruda (DEM - vixe, vixe!), flagrados com a mão no cofre pela Policia Federal, na Operação Caixa de Pandora. Sem qualquer escrúpulo, os sacripantas criaram um grupo de oração. As imagens são chocantes e patéticas. De mãos dadas e olhos fechados, três bandidos de colarinho branco rezam, agradecendo a Deus a “graça especial” alcançada. Com a versão candanga do Pai Nosso, impetraram um habeas corpus preventivo: - O Panetone nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai a formação do Caixa 2, assim como nós perdoamos os outros partidos que antes de nós desviaram recursos. Esse é o dado novo do mensalão do DEM (vixe, vixe!). Eles criaram um modus operandi inédito e despudorado: usar a reza como alavanca para arrombar cofres públicos, o que não foi registrado em nenhum lugar do mundo, nem com os dois mensalões operados pelo careca Marcos Valério: o do PSDB de MG, em 1998, e o do PT, em 2005. O Brasil é mesmo o país mais cristão do mundo. Até pra roubar, a gente reza. E na falta de cueca, esconde dólar dentro da bíblia, como fez a bispa Sônia. Arruda já solicitou ao Papa Bento XVI a canonização de Judas Iscariotes - o que botou na ceroula trinta dinares - para sagrá-lo padroeiro da Pastoral da Propina. A Oração a São Judas Iscariotes, rezada em Brasília, diz: - São Judas Iscariotes, apóstolo incompreendido de Cristo, eu te saúdo e te louvo, por haveres usados os 30 dinares para pagar a conta da Última Ceia, sendo injustamente acusado de vendilhão e traidor. Quero te imitar, comprometendo-me a usar o dinheiro desviado em obras sociais. E$pero alcançar a graça que imploro através de tua interce$ão. Amém. No Amazonas, surgiram vários grupos de oração. Um deles, com os agentes de pastoral Amazonino Mendes, Carijó, os irmãos Souza e Orleir Messias Cameli, do Acre. O outro com Dudu Braga, Belão, Mello e Adair, todos eles rezando a versão regional do Pai Nosso: - A Pupunha nossa de cada dia, nos dai hoje. Todos esses agentes da Pastoral usam cuecas com seis bolsos sanfonados, três na frente e três atrás. Com a voz embargada, Arruda disse que confia na Justiça. Todos eles confiam. Pudera! Até eu! Na reeleição para governador de Minas, no século passado, mais precisamente em 1998, Eduardo Azeredo (PSDB) montou esquema de desvio de dinheiro e só agora, no dia 3 de dezembro, é que o STF, em votação apertada, abriu ação penal para investigar as denúncias. A defesa dele vai apresentar “embargo de declaração”, e não há previsão de quando deve começar a ação penal. Eu falei começar, porque onze anos depois do crime, ela ainda não começou. Numa atitude subserviente e de absoluta dependência, o novo ministro do STF e ex-advogado do PT, José Toffoli, votou a favor de Azeredo, pelo arquivamento da denúncia, talvez se precavendo com o processo aberto em 2007 contra 40 pessoas envolvidas no mensalão do PT, entre eles, o ex-ministro José Dirceu. Mais chocante ainda do que a imagem da bandidagem rezando e desmoralizando a oração, é a anestesia quase geral da nação e a impunidade desse tipo de crime. Nesse sentido, o que ainda nos salva é a invasão e ocupação da Assembléia Legislativa de Brasília pelos meninos do PSOL. Quem diria: na continuidade da ação desses meninos repousa a nossa esperança e o nosso destino!
Do professor José Ribamar Bessa Freire coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).