10 de abr. de 2008

Conto da Cidade

No livro“As Cidades Invisíveis “ o escritor Ítalo Calvino descreve em contos surrealistas os relatórios que Marco Pólo faz ao rei dos mongóis ( kublai Kan) sobre as cidades que visita nas suas viagens pelo grande império do Kan. Cada uma tem uma característica que a marca e distingue, e todas com nomes femininos, chegando por vezes a assaltar-nos a dúvida se Calvino não estará no fundo a falar de mulheres e não de cidades. Não por acaso. Uma cidade, qualquer cidade, mesmo nossa Laguna, humilhada pelos descasos políticos e pela falta de planejamento administrativo, tombada como Patrimônio Histórico Nacional e sem a devida atenção que a riqueza de seu conjunto arquitetônico requer, com ruas seculares cansadas de cidadãos sem distinguir seu povo de turistas,.... é mulher brejeira, encantadora, charmosa, mostrando sempre e melhor o que lhe cai bem.
E como lhe caem bem os contrastes de mulher madura que não esquece o jeito de ser menina, com seus contornos sinuosos, suas praias bronzeadas ensaiando sorrisos manhosos. Como toda mulher, também tem labirintos curvilíneos que vão dar em recantos misteriosos ou em lugar nenhum. É da natureza das cidades, faz parte deste mundo feminino. Tenho fascínio por ela, a minha cidade, porque além de mulher ela é madura, e pensa -- mas só pensa -- que já viveu tempos melhores. Uma mulher, tranqüila mas com um pouco de ansiedade que pode passar noites em claro cuidando dos filhos famintos e desorientados, e dos amigos que já partiram.
E como toda mulher que carrega tantos anos, que já viu de um tudo - até do que Deus duvida -, e que já sofreu um tanto, nem sempre consegue esconder as cicatrizes que o tempo lhe legou. Mas, o que ela guarda mesmo são os fogos das viradas de ano, os carnavais em que ela é destaque e especialmente, os dias de glória. Então, depois dessas noites insones, essa mulher generosa sorri para o sol que nasce por sobre o Mar Grosso, lança uma piscadela de olho sobre o pessimismo das más línguas, oferecendo tendenciosa beleza aos amigos e caloroso conforto aos seus filhos. Como uma bela mulher, cuja beleza e história de vida tanto a deixou famosa, atrai gente de muito longe para apreciar seus contornos. Uma mulher tão linda -- e dizem que toda a mulher linda demais é perigosa – deixa os visitantes maravilhados pelas suas noites enluaradas. A cidade da Laguna, charmosa e sensual, inspira os sambas de nossos carnavais, encena peça sobre sua vida, navega pela Lagoa Santo Antonio dos Anjos, admira-se diante da Pedra do Frade, banha-se na Praia do Mar Grosso. Laguna é mulher sestrosa, sem ser indecorosa.
Se tem pecados, eles parecem reduzidos por uma Nossa Senhora da Glória, de braços abertos, disposta a perdoa-los. Quem a conhece não pode deixar de amá-la, pois quem a vê iluminada de noite ou iluminando um dia, por ela se enamora quase repentinamente. Quem nunca lhe viu de tão perto e idealiza sua beleza tão exposta, tem um pé atrás do otimismo, acha que ela pode ser traiçoeira. O contrasenso é certo. Mulheres sempre despertam sentimentos contrários, e inseguros. As regras são simples para entender esse mistério: morar com uma mulher, seja ela qual for, exige adoração pelo seu calor e desprendimento. Já, para um visitante ela oferece alegria, mas pede cautela e um punhado de respeito -- e pré-disposição para conhecê-la de perto. Por isso, peço licença para dizer a quem na cidade de Laguna ainda não conseguiu pôr os pés, por falta de oportunidade ou também para aqueles que não conhecem todos os seus (re)cantos: "A mulher que não se conhece são as ruas não atravessadas, são os outros caminhos possíveis."

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