Vai longe no tempo a lembrança das noites de verão numa cidade pouco iluminada. Atraves do Porto, ainda muito movimentado por navios de pequeno porte, escoava a produção da região, trazidos pelos Trens fumacentos da estrada de ferro Dona Maria Tereza Cristina.
Sobre
o Cais, dois potentes guindastes elétricos, responsáveis pelo
carregamento dos navios, eram alimentados por uma pequena usina
termoelétrica instalada na área portuária, cuja energia residual
iluminava as casas de uma Laguna pouco populosa. Os anos se passaram e
aquela capacidade geradora instalada logo foi superada pelo consumo,
ocasionando os inevitáveis e sucessivos blackouts. E vez por outra a
cidade ficava,totalmente, ás escuras.
Iluminadas
pelo clarão da lua cheia, as noites quentes e sem luz eram refrescadas
na amistosa familiaridade dos vizinhos. Sentadas, nas cadeiras
enfileiradas em frente as casas, as pessoas desfilavam animadas
conversas, regadas na simplicidade do cotidiano de suas vidas.
Entre
um e outro assunto viajávamos com os olhos fixos na Via Láctea - uma
estrada estrelar muito iluminada, desenhada no infinito, e
escancaradamente visível, na escuridão limpa daquelas noites de verão.
Eramos
uma sociedade de sonhos! Literalmente, "Olhávamos mais para as estrelas
que para nossos pés." Como queria, que assim fizessemos, nosso gênio-
fisico cosmologo-Stefen Hawkens.
No
meio da sala daquela casa, uma senhora, a quem mais tarde reconheci
minha avó, tecia sua renda de bilros, sentada de pernas cruzadas, em
frente a uma almofada. Sob a luz tênue de uma vela, fazia aos poucos
tomar forma, as toalhas que enfeitariam as cômodas e mesas do lar.
O
fio com o qual tecia as toalhas, resultava de um processo rudimentar
preparado através da folha de uma planta, chamada "tucum".
Eu, um menino nos meus oito anos, lembro-me do processo de preparação do fio.
A
folha era desfiada numa madeira cheia de pregos e colocada para secar,
ao sol. Com o auxilio do "rufo" - uma espécie de pião com uma grande
aste, confeccionava-se a linha. Prendia-se o fiapo desfiado do tucum
neste instrumento e rodava-se até a formação de um tipo de barbante fino
e resistente. Era um conhecimento da cultura indígena que, tempos
atrás ainda existia, como
tradição, na nossa comunidade da Barra e atualmente é preservada nas
comunidades açorianas da Ilha-Capital.
Naquele
tempo, de valorização da convivência em grupo, as conversas eram
presenciais e aconteciam no cara a cara. Fazia-se amigos com mais
facilidade. Reuníamos pelo simples prazer de ver e conversar com os
amigos sobre os diversos assuntos da semana. Lotavamos as sessões de
cinema do Cine Mussi, as missas da matriz, as reuniões dançantes do
SESC, as festinhas americanas e até o Jardim Calheiros da Graça para
apreciar o desfile da meninada.
Na antiga Venda adquiríamos
alimentos e demais necessidades domesticas, e o proprietário fazia
anotação das compras em cadernetas, cujos valores, eram devidamente
saudados pelos clientes a cada fim de mês.
A
comunicação, a distancia, a disposição da sociedade era a escrita
(carta e telegrama) via correio e o telefone. Uma carta para a capital
demorava, no mínimo, dez dias para chegar ao destinatário, enquanto as
ligações telefônicas eram solicitadas na central telefônica da
companhia. A telefonista fazia a ligação e transferia para o numero
solicitante.
Os
processos de elaboração de produtos eram manuais e as maquinas das
linhas de produção funcionavam por meios mecânicos. Não se imaginava a
existência da eletrônica que viria, mais tarde, revolucionar a
indústria.
Uma
realidade distante da vida atual e diferente das produções em série
que, mais tarde, alimentariam o comercio e surgiriam para mudar,
definitivamente, o modo de vida das nossas cidades modernas.
Com o desenvolvimento perdemos o olhar das estrelas para ganharmos a eficiente iluminação artificial das hidrelétricas; e um combo
cujo pacote inclui uma cidade cheia de automóveis em estacionamentos
lotados, e pessoas apressadas querendo chegar a lugar nenhum. As
cadeiras em frente as casas foram recolhidas para as salas de estar das
famílias e, hoje, as conversas versam muito mais sobre os programas
padronizados das televisões, principalmente aqueles relacionados ao
mundo das telenovelas.
Mais
recentemente, o desenvolvimento tecnológico, trouxe para a palma de
nossas mãos um volume de conhecimento e informação quase instantâneo - O celular.
Digitamos mais através de emails e aplicativos e conversamos menos. Com
os olhos presos nos aplicativos de conversação, onde quer que
estejamos, ignoramos os acontecimentos ao nosso redor.
O
mundo da internet abriu um leque de possibilidades jamais imaginada
até mesmo por seus criadores. Compra-se de tudo virtualmente, no cartão
de crédito, com entrega em domicilio, sem a necessidade de conhecer o
estabelecimento ou conversar com o vendedor.
Se
por um lado essas vantagens contribuem positivamente para o
aprimoramento intelectual e informativo da sociedade, de outro modo elas
podem estar interferindo nas relações entre as pessoas, provocando um
tipo de isolamento voluntário, capaz de nos deixar tomar gosto pela
solidão.
E
diante de toda essa mudança criada pela ciência que nos fascina, um
incerto enredo para o futuro, se descortina impondo a pergunta que o
consagrado samba, nos setencia: Como será o amanhã? Responda quem puder.
O que irá nos acontecer? Nosso destino será como Deus quiser.....
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