18 de fev. de 2024

O tempo e a paisagem


Quando o tempo é de tormenta não se vê beleza na paisagem. Foi o que constatei naquela visita que fiz a um parente, no hospital de Caridade, aqui em Florianópolis. O vai e vem de carros apressados, subindo e descendo o morro. O semblante de pessoas preocupadas e de outras tantas aliviadas pela recuperação de seus familiares. E uma movimentação intensa dos profissionais de branco naquele imenso complexo hospitalar. Enquanto descia o pavimento de onde me encontrava observava o trabalho das pessoas. Um corre-corre diário, nos corredores do prédio, para dar cabo a tarefa imposta pela responsabilidade da cura. Sai prédio, afora, para respirar outro ar e me debrucei na mureta que permite vislumbrar parte da cidade. Meu pensamento vagava ao longe, lá pelas vizinhanças do Cambirela, quando um senhor cumprimentou-me e aproximou-se de mim. Encostado no muro pôs-se a olhar para o prédio do hospital. De costas para a cidade perguntou-me se eu tinha algum familiar ali. Respondi-lhe que sim e perguntei-lhe o motivo dele estar ali. Disse-me, sem rodeios, que era natural de Lages e viajava quinzenalmente para fazer aplicação de quimioterapia porque era portador de câncer. Diante de sua disposição em conversar, francamente, perguntei-lhe se ele vinha acompanhado de algum parente, uma vez, que tal tratamento debilitava muito o paciente. Respondeu-me que profissionalmente era motorista e vinha sozinho, dirigindo; fazia a aplicação, ficava um ou dois dias internado, se recuperando, e voltava para sua casa. Depois de me ouvir falar da sua coragem e disposição, ele adiantou-me que tal tratamento era extremamente necessário para mantê-lo vivo; mas, no entanto, o aparelho de quimioterapia encontrava-se danificado havia quinze dias. O que estava o deixando desanimado e apreensivo. Sem saber o que dizer, diante de tamanho problema, despertei sua atenção para a beleza da paisagem que aquela construção propiciava. Relutante em olhar para a cidade ele confidenciou-me que melhor seria não ter que subir até lá. E que naquela circunstância qualquer paisagem por mais bela que fosse não seria capaz de lhe despertar qualquer sensação de beleza. Admirado com sua afirmação, despedi-me do senhor para atender ao chamado de um parente convidando-me a deixar o local.

Um comentário:

Nana disse...

É querido! O que nos deperta para as belezas externas é o que é belo dentro de nós. Se estamos de luto, toda a paisagem se cobre de preto.