6 de dez. de 2009

O panetone nosso de cada dia

As imagens divulgadas na TV mostram uma bandidagem escondendo dinheiro no bolso, na cueca e nas meias, no episódio do mensalão, tudo isso prá quê? Oh, céus, pra comprar panetones e distribuí-los aos pobres. Estava lá o primeiro escalão do governo do distrito federal e o próprio governador José Roberto Arruda (DEM - vixe, vixe!), flagrados com a mão no cofre pela Policia Federal, na Operação Caixa de Pandora. Sem qualquer escrúpulo, os sacripantas criaram um grupo de oração. As imagens são chocantes e patéticas. De mãos dadas e olhos fechados, três bandidos de colarinho branco rezam, agradecendo a Deus a “graça especial” alcançada. Com a versão candanga do Pai Nosso, impetraram um habeas corpus preventivo: - O Panetone nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai a formação do Caixa 2, assim como nós perdoamos os outros partidos que antes de nós desviaram recursos. Esse é o dado novo do mensalão do DEM (vixe, vixe!). Eles criaram um modus operandi inédito e despudorado: usar a reza como alavanca para arrombar cofres públicos, o que não foi registrado em nenhum lugar do mundo, nem com os dois mensalões operados pelo careca Marcos Valério: o do PSDB de MG, em 1998, e o do PT, em 2005. O Brasil é mesmo o país mais cristão do mundo. Até pra roubar, a gente reza. E na falta de cueca, esconde dólar dentro da bíblia, como fez a bispa Sônia. Arruda já solicitou ao Papa Bento XVI a canonização de Judas Iscariotes - o que botou na ceroula trinta dinares - para sagrá-lo padroeiro da Pastoral da Propina. A Oração a São Judas Iscariotes, rezada em Brasília, diz: - São Judas Iscariotes, apóstolo incompreendido de Cristo, eu te saúdo e te louvo, por haveres usados os 30 dinares para pagar a conta da Última Ceia, sendo injustamente acusado de vendilhão e traidor. Quero te imitar, comprometendo-me a usar o dinheiro desviado em obras sociais. E$pero alcançar a graça que imploro através de tua interce$ão. Amém. No Amazonas, surgiram vários grupos de oração. Um deles, com os agentes de pastoral Amazonino Mendes, Carijó, os irmãos Souza e Orleir Messias Cameli, do Acre. O outro com Dudu Braga, Belão, Mello e Adair, todos eles rezando a versão regional do Pai Nosso: - A Pupunha nossa de cada dia, nos dai hoje. Todos esses agentes da Pastoral usam cuecas com seis bolsos sanfonados, três na frente e três atrás. Com a voz embargada, Arruda disse que confia na Justiça. Todos eles confiam. Pudera! Até eu! Na reeleição para governador de Minas, no século passado, mais precisamente em 1998, Eduardo Azeredo (PSDB) montou esquema de desvio de dinheiro e só agora, no dia 3 de dezembro, é que o STF, em votação apertada, abriu ação penal para investigar as denúncias. A defesa dele vai apresentar “embargo de declaração”, e não há previsão de quando deve começar a ação penal. Eu falei começar, porque onze anos depois do crime, ela ainda não começou. Numa atitude subserviente e de absoluta dependência, o novo ministro do STF e ex-advogado do PT, José Toffoli, votou a favor de Azeredo, pelo arquivamento da denúncia, talvez se precavendo com o processo aberto em 2007 contra 40 pessoas envolvidas no mensalão do PT, entre eles, o ex-ministro José Dirceu. Mais chocante ainda do que a imagem da bandidagem rezando e desmoralizando a oração, é a anestesia quase geral da nação e a impunidade desse tipo de crime. Nesse sentido, o que ainda nos salva é a invasão e ocupação da Assembléia Legislativa de Brasília pelos meninos do PSOL. Quem diria: na continuidade da ação desses meninos repousa a nossa esperança e o nosso destino!
Do professor José Ribamar Bessa Freire coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).

29 de nov. de 2009

Tempo de sonhos

Quando ainda jovem eu imaginava que para mover as intrincadas engrenagens do mundo bastavam a palavra, carisma, ações pontuais, perseverança e, é claro, um pouco de sorte.Naquela época havia na cabeça da juventude sonhadora, um projeto de luta no horizonte. As portas da utopia mostravam-se escancaradas para quem quisesse entrar... Mas os anos foram seguindo e os sonhos, aos poucos, sendo substituídos pela realidade mundana. O inegável avanço tecnológico nos colocou diante dos equipamentos eletrônicos deixando-nos um tanto robotizados; e nós humanos, infelizmente, largamos de perseguir certos objetivos menos tangíveis.Num mundo globalizado e excludente caímos na luta diária pela busca do nosso sustento material. Exaustos, após um dia de trabalho, desistimos de ser inquieto culturalmente, e entregamo-nos, então, aos cuidados de um meio de comunicação direcionado e massificado. Devido a falta de incentivo a leitura e aos altos custos dos livros o gosto literário passou a ser um costume de poucos. Aos partidos de cunho socialista restou a delegação do viés político da consciência ecológica; enquanto a procura pelo alimento da alma restringiu-se a participação mecânica em alguns rituais de nossas devoções religiosas. O ser humano comum preferiu a segurança do coletivo a desenvolver seu potencial individual.Mas resta, ainda, algum sinal de fumaça desse incêndio de utopia, no coração de alguns poucos. E eles surgem através da Internet, por exemplo, nos blogs de informação que se contrapõem ao noticiário da grande imprensa. E nos blogs culturais com idéias e talentos, ainda, sem a luminosidade dos autores já consagrados.Estas manifestações continuam, também, nos movimentos religiosos que sempre pregaram a priorização dos valores humanos. Ainda assim, apesar de todas as suas contradições a humanidade sempre tem tentado acomodar-se as variações técnicas e sociais de cada época para encontrar seu rumo. E ela haverá de achar seu norte através do crescimento espiritual e da compreensão mútua. Se Deus quiser.....

12 de nov. de 2009

A Estrela do Mar

Ao chegar na sala de trabalho deparava com aquela criatura de poucas palavras e um jeito carinhoso e doce no trato com as pessoas. Compenetrada nos seus afazeres ela tinha sempre um sorriso alegre em seu rosto. Fiel a sua descendência, cursava na universidade o italiano, e ainda nas horas vagas atendia as encomendas de echarpes -habilidade cujas colegas descobriram que possuía. -Maristela! Tu sei bella. – Eu a saudava ao encontrá-la no serviço. Ela respondia olhando-me com alegria e estampando um largo sorriso em seu rosto. Essa saudação virou quase um mantra que se repetia em determinados momentos de descontração naquele saudável ambiente de serviço. Tempos mais tarde, quando da minha aposentadoria, eu havia adotado o hábito de eventualmente passar no antigo local de trabalho para rever os colegas que por lá permaneciam. E numa dessas casuais visitas tomei conhecimento que a Mari- apelido carinhoso pelo qual era tratada - estava afastada, e também estivera hospitalizada, por motivo de doença. Procurei e liguei para o numero de seu telefone que uma colega havia me fornecido. Quando ela atendeu o telefone, eu a saudei: -Maristela! Tu sei bella. A identificação foi imediata: -Mauro! Como vais! -Eu vou Bem! Disseram-me que estivesse doente. -Sim, mas agora estou bem. Não te preocupas que eu não vou morrer, não! Notei um barulho de conversa ao fundo; e ela me disse, naquela oportunidade, que estava reunida com algumas amigas no seu apartamento. Colocamos a conversa em dia e nos despedimos. Aquela ligação me confortou. No entanto, meses depois Mari, infelizmente, foi hospitalizada novamente e veio a falecer com o diagnóstico de uma doença fatal. E eu fiquei a pensar o quão frágil é a nossa vida. É mesmo um pequeno sopro divino. Tem certas pessoas que nos deixam tão depressa! Será que elas vão ao infinito, em direção ao porto da eternidade? Será que elas correm naqueles campos vastos de verdes sinistros e flores campestres? Aqui nós ficamos sem entender essa partida e por mais que procuramos, nosso pouco conhecimento não nos fornecerá respostas para essas indagações. A mim, pobre mortal, só resta acreditar que a Estrela do Mar subiu ao céu para brilhar na constelação de Deus. Maristela!!! Tu sei bella.

28 de out. de 2009

Pra onde foi o menino

Quando amanheceu percebi que ele já não estava mais junto a mim. Para onde fora o menino que havia em mim e fizera dos meus dias rios de felicidade e esperança? No meu entardecer senti falta dele. Olhei-me no espelho a sua procura... nos meus cabelos brancos a constatação dos anos. Nos meus olhos a falta daquele brilho radiante indicativo da sua presença. Vez por outra, sinto ainda querer me puxar pelas pernas das calças para reviver peraltices. Mas logo percebo que o sorriso fácil, a alegria incontida e a calma transmitida na segurança de que tudo acaba bem, aos poucos acabaram me deixando. A responsabilidade, o trabalho, as contingências da vida foram me tornando impuro a ponto de afastar o menino do meu convívio. A realidade tomou conta de seus ingênuos sonhos coloridos. Ele não conseguiu suportar o meu tempo adulto, a minha procura pelo ter em detrimento do ser e foi me abandonando. O meu coração que se fazia amarelo de Sol com recheios de sorrisos nos lábios agora é uma fonte de sentimentos contidos num rosto marcado pelos contornos do tempo.A vida sem ele é diferente; cheia de preocupações. Que será de mim, agora, sem as tintas que me emprestava fazendo-me encontrar ouro no final do arco-iris da minha vida colorida de otimismo e beleza? Por eu ter perdido a ingenuidade, o menino partiu. Pois ele não sobrevive quando nosso coração perde a inocência. Quando tudo flutua ao redor do lógico e do racional. Preciso dele, pois sua presença é que dá equilíbrio a minha vida e torna meu lado humano mais bonito. Mas ele, ainda, haverá de voltar um dia? Talvez, quando meu sorriso for mais além do que esse que hoje se vê em meu rosto. Ou quando eu chegar lá nas cercanias do tempo. Nos limites da outra dimensão. Quem, sabe?

14 de out. de 2009

CRUZ NAS REPARTIÇÕES PÚBLICAS

“Símbolos Religiosos nas Repartições Públicas do Estado de SP” (Fonte: FOLHA de SÃO PAULO, de 09/08/2009) “Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas.. Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz deve ser retirada! Nunca gostei de ver a Cruz em tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são vendidas e compradas... Não quero ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte... Não quero ver a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados... Não quero ver a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas (pobres) morrem sem atendimento.... É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa da desgraça dos pequenos e pobres.” Frade Demetrius dos Santos Silva * São Paulo/SP
reproduzido por esse Blog por considerar uma resposta sensacional do religioso

25 de set. de 2009

A Delegada da Pracinha

Não sei direito o seu nome Nisia ou Anisia. Era mulher de um senhor que conhecíamos como Baio - Aquele senhor que trabalhava no Porto.
A Delegada da pracinha. Assim é que a chamávamos devido ao seu cuidado com os bancos e tudo o mais que fizesse parte daquela praça. Já naquele tempo ela exercia seu direito de cidadã afugentando os moleques que tentavam bagunçar o patrimônio público. Uma senhora com espírito inquieto e sensível a proteção ambiental, numa época em que, praticamente, não se falava em ecologia. A hoje, quase centenária árvore, plantada no centro da nossa pracinha era sua protegida favorita. Ai, de quem ousasse se dependurar em seus galhos! Por detrás da janela de sua casa ela observava tudo e botava pra correr a molecada que, propositadamente, subia em sua copa. A antiga casa já não existe mais. Mas a sua vigília e a sua perseverança foram ingredientes indispensáveis ao florescimento da árvore que considero símbolo da praça Souza França. Sem o cuidado daquela senhora talvez ela não resistisse às peraltices da garotada, de pés descalços, livre e solta daquela década. São muitas as gerações que, até hoje, se abrigam sob a sua sombra. Embaixo de sua copa passaram as confrarias de amigos, o esquenta para os bailes do clube 3 de maio e os incontáveis namoros com direito a coração e flecha de cupido gravado, à canivete, em seu caule. Ela fomentou as reuniões de nascimento e acompanhou o amadurecimento do maior bloco carnavalesco de rua do carnaval lagunense- O Bloco da pracinha- e as diversas idéias que atravessaram o tempo e culminaram nos eventos que se instalaram, em definitivo, no calendário turístico da cidade. Dona Nísia ou Anisia deve estar cuidando de árvores iguais a esta, no paraíso, junto a Deus. E a sua árvore é a imagem do cotidiano, refletida na liberdade de pensar e fazer de uma gente vizinha a pequenina pracinha, no coração do nosso Magalhães.

11 de set. de 2009

Salve-nos,Deus

Ontem, a praia de todos, lustrada por um sol imponente e bordada pela espuma que derretia ao quebrar das ondas me fazia lembrar o barulho do refrigerante que tomei à pouco. Fazia festa as nossas vistas. Hoje, no horizonte do Mar Grosso, sumido na névoa do tempo de chuva, surge um barco de pescadores e cria um ângulo de esperança. De repente, tenho vontade de ir ao encontro do barco. Caminhar por sobre as águas? Que loucura! Lá pelo lado do pontal os botos dão uma trégua ao trabalho e as baleias não se atrevem a nadar no canal. Gaivotas escorregam no céu, entre a neblina. Mergulham no nada e tem tudo. Gosto de vê-las. Elas lembram liberdade aqui no leste. Bem longe daqui, no extremo de nosso território, notícias de ferro torcido, casas destroçadas, arvores arrancadas.... noites sem luz. A natureza revoltada, protesta! Florestas sem árvores, rios sem água, atmosfera carregada. No choro do homem o desespero de quem tudo perdeu. A mão estendida da criança a clamar por comida. O lamento da mulher cujo filho desapareceu. Do poder, a promessa do auxílio e o dinheiro que não chega. No universo de nosso coração só tristeza e solidariedade. Um sentimento de impotência.
Mais um barco de incertezas surge do nevoeiro, no horizonte. Salve-nos, Deus

19 de ago. de 2009

Tal como Antes

Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, pôs em sua boca a indignação popular “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, indagou Marco Túlio Cícero ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato. “Ó tempos, ó costumes!”, exclamou Cícero movido por atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado. “Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público?”

16 de ago. de 2009

Vila Esperança

Era uma vila com povo pacato e acolhedor, de ruas estreitas pavimentadas com paralelepípedos e ornamentadas com construções coloniais raras que ostentavam grande riqueza cultural e histórica. Sua beleza retratada em pontos turísticos naturalmente preservados encantava seus moradores e turistas. Visitá-la era uma viagem no tempo pelos labirintos da memória nacional. Sua historia era contada nos escritos artisticamente trabalhados em vistosas placas de bronze colocadas na base dos monumentos distribuídos por suas diversas praças. No entanto o glorioso passado muito presente no futuro daquela vila parecia bloquear o entendimento da existência do que era novo. As pessoas eram como barcos com seus porões repletos de nostalgia ancorados num solitário porto. Elas ainda acreditavam em antigas praticas políticas e administrativas. Políticos de todas as partes socorriam-se, em épocas de eleição, de seu colégio eleitoral. Mas pouco ou nenhum trabalho ofereciam em benefício daquela vila. Tudo o que faziam era no intuito de atender interesses particulares dos seus moradores. Um dia, vieram os vândalos e começaram a mandar na vila. Depredaram seus monumentos e roubaram suas vistosas placas de bronze. E com elas levaram também um pouco da sua história. A insegurança, então, instaurara-se em suas ruas e vielas. O administrador parecia politicamente muito ocupado e não dispunha de tempo para se preocupar com acontecimentos que considerava corriqueiros na vida daquela vila. O Chefe da Segurança, uma autoridade com problemas de visão, também era portador de deficiência auditiva. Às vezes que conseguia ouvir a voz das ruas alegava falta de pessoal para realizar, com eficiência, seu trabalho. Noutro dia vieram uns técnicos e criaram o projeto de uma extensa ponte num ponto muito além de seu acesso principal, sobre a bonita lagoa que circundava aquela vila. Pareciam querer isolá-la geograficamente do resto da região. Era gritante o silencio das lideranças da comunidade em relação aos problemas que afligiam as pessoas. Eles eram incapazes de visualizar algo que viesse em beneficio daquele pedaço de terra. Depois vieram os ladrões e roubaram o banco que guardava as poucas economias do povo daquela vila. A comunidade foi empobrecendo cada vez mais, e nada se fazia para aliviar o sofrimento das pessoas. Ninguém comentava nada. Ninguém conseguia ver nada. A síndrome do Chefe de Segurança havia contagiado o povo. Não havia quem enxergasse uma luz no final do túnel. Os indivíduos perderam seu senso crítico e além de não fazer comentário sobre aquela situação ainda evitavam quem se insurgisse contra aquele estado de coisas. Uma grande escassez de suprimentos e de oportunidades, então, começou a se abater sobre a comunidade. E seus moradores partiram levando seus pertences, abandonando suas terras e casas, deixando a vila solitária. Uns poucos que permaneceram reuniram-se numa romaria a um monte que consideravam sagrado para orar e pedir aos céus, melhores dias. Acreditavam no milagre da vinda de um Deus surgido do mar para reabilitar suas vidas. E assim eles passam o tempo contemplando o mar. Na certeza que um dia Deus virá salvar, a Vila Esperança.

8 de ago. de 2009

Ciencia e milagre

Dia desses li nos jornais a reportagem de uma mulher que além de ouvir musica, via e sentia o gosto. Tal fenômeno tem uma explicação cientifica complicada que eu, pobre mortal e leigo seria incapaz de explicá-lo. Mas o importante é o fato, em si. Ela enxerga e sente, literalmente, a música. Meu pensamento então, reportou-se para a Idade Média onde uma mulher que revelasse ser portadora de tal prodígio, seria considerada uma bruxa e seu destino, certamente, seria a fogueira. Noutro tempo mais recente tratar-se-ia de um milagre. Atualmente, segundo estudos científicos este fenômeno embora raro e previsível é resultado de ligações neuroquímicas cuja manifestação acontece em um número muito pequeno de indivíduos. O progresso é uma das determinadas certezas do mundo da qual, particularmente, não sou muito entusiasta. As minhas leituras da época da faculdade apenas me fizeram crer que neste terceiro milênio triunfaria a razão. E isso não é ilusório diante do que a ciência pode oferecer. O problema são as contradições. Embora, no mundo, se produza comida para todos, ainda há fome. Desenvolve-se tecnologia de exploração em águas profundas enquanto que em terra firme há gente sem moradia. Enquanto no planeta Terra surge diariamente uma variedade de espécies de vida não catalogadas traçamos metas para conquistar o universo. Chove torrencialmente hoje enquanto a previsão do tempo previa muito sol o dia todo. Ainda falta muita coisa embora o conhecimento humano nos mostre que pode dar tudo. Acreditar em milagres torna-se um antídoto, diante da força da ciência e da imparcialidade dos números. O problema é definir o que seria um milagre. Seria um fenômeno que ultrapassa o desconhecido, que insolentemente desafia as fronteiras do real? Fica a pergunta no ar. Mas a coisa que eu sempre acreditei mesmo, é que o êxito das pessoas está em desafiar o que está estabelecido, não se omitir nem silenciar mesmo sob pressões poderosas e ameaçadoras e muitas vezes até, ir ao extremo dando a própria vida por suas convicções. Temos muitos desses exemplos na historia da humanidade. Penso que com tudo que se vê hoje em dia, saber da existência de pessoas capazes de perceber o mundo de maneira diferente, como enxergar e sentir o gosto da música, por exemplo, não deixa de ser um milagre.

12 de jul. de 2009

Saudade

Palavras são símbolos que quando pronunciadas suscitam em nós todas as emoções; de surpresa, de terror, de nostalgia, de pesar.... Elas são poderosas e podem desmoralizar uma pessoa até a apatia ou então exaltá-la a extremos da experiência espiritual e estética. Elas têm um poder arrebatador. Sua força, sua resistência e seu poder suplantam quase tudo que existe em nossa volta. Elas são perenes e firmes como a rocha. Tudo passa através dos tempos, exércitos, impérios e repúblicas. Mas as palavras não passam. Na nossa Língua Portuguesa existe uma palavra que não encontra significado igual em nenhuma parte do mundo seja em sentido e força, tanto no aspecto denotativo ( se isto for possível) quanto no conotativo. A palavra saudade, de origem tão obscura como o fundo dos mares portugueses, e tão misteriosa como a virgindade das selvas brasileiras não encontra par em nenhum dos idiomas falado no nosso globo. Os estudiosos da etimologia da língua portuguesa, também não são convincentes ao procurar uma explicação plausível para sua origem. Sem a possibilidade de definir a matriz dessa grata herança que a riqueza da língua portuguesa nos presenteou, resta-nos apenas a satisfação e a honra de tê-la em nosso vocabulário, sem o perigo de competição por parte de qualquer língua de dentro ou de fora de nossa família latina. E o que é mesmo saudade? Um sentimento que deve existir no coração de toda criatura humana, seja ela de qualquer raça, de qualquer parte do mundo, seja pobre, seja rica. A saudade não escolhe, não discrimina, não se faz de rogada para existir. Ela vem de mansinho ou vem fortemente, chegando quando menos se espera. A saudade é amiga da solidão, companheira inseparável do amor, visita invisível da amizade, às vezes pedaço de paixão, em muitos casos suave perfume de momentos de carinho e ternura. Realmente, não é fácil falar do sentimento da saudade. E é talvez por isso que ela só exista, como palavra, na Língua Portuguesa, na mística do povo de nossa raça, principalmente no brasileiro, esta maravilhosa mistura de sangue tropical. Defini-la com palavras é um exercício mental de difícil articulação. Ela encontra explicação somente nas lembranças solitárias de nossos pensamentos. Saudade é dor que sufoca o coração e alegra a alma. Saudade é um sentimento de presença do ausente, é lembrança do bem-querer, um doce convívio com a distância, uma alegre e agradável tristeza do ver-não-vendo, do amar sem o objeto do amor... Saudades de um tempo, de amigos, de familiares, de amores vividos, da terra natal... “Saudades de Laguna” sentimento de ausência da terra, titulo de uma música muito pouco lembrada, onde seu compositor Pedro Raimundo demonstra toda sua ternura na homenagem a nossa eterna, Laguna.

27 de jun. de 2009

Por que Escrevemos?

Aqui deste lugar, presenciando a luz refletida nas poças de chuva das ruas desertas de frio, vendo o mês junino escoar pelos ralos dos seus últimos dias, me ponho a refletir sobre as necessidades humanas. Mais precisamente sobre a necessidade da comunicação. E então surge a pergunta: Por que escrevemos? Escrevemos por instinto de auto-expressão. Escrevemos para diminuir a tensão emocional e não explodir e virar pedacinhos. Para entender nosso próprio mundo. Através da escrita comunicamos nossas impressões, idéias, pensamentos, sentimentos. Escrevemos para comunicar nossos medos e angustias, nossas coragens e ousadias e nossas descobertas. Para entendermos a nós mesmos. Escrevemos para espantar a sensação de desamparo. Para acabar com o isolamento. Para sair do exílio que, ás vezes, nos submetemos. Para nos livrar da solidão de nosso próprio casulo.
Estes são alguns dos motivos que nos levam a escrita. Mas na verdade, escrever é um ato vital. Escrevemos para continuarmos vivos. Escrever não é prazer, nem diversão. É sobrevivência!
O ato de escrever é um ato solitário de revelação. O escritor surpreende-se redigindo um texto inusitado. Ou mesmo um texto regular ou ruim. Mas ele se descobre na sua obra.
Para escrever precisamos vencer a anarquia latente que existe em nós, libertar a mente do ente físico e submetê-la ao espírito.

21 de jun. de 2009

Um sonho de junho

Caminhava apressadamente pela diagonal que corta o centro do jardim em direção a Igreja matriz. Queria sentir a egrégora daquele templo. Admirar suas artes sacras, sua arquitetura barroca e aproximar-me da imagem de Santo Antonio dos Anjos da nossa Laguna. Ofegante..., encontrei a porta da igreja trancada.
Um sentimento de frustração arrebatou-me por alguns momentos. Irritei-me por mais outros instantes e resolvi bater energicamente três fortes pancadas na entrada principal. Já ia desistindo, quando a porta entreabriu e alguém me franqueou a entrada. Caminhei, então, até entre as duas colunas que sustenta o mezanino, onde o Coral se reúne para entoar os cantos das magistrais trezenas.
Ergui a cabeça e avistei Antonio no centro do altar rodeado de pessoas. Tenso e surpreso esbocei gestos na tentativa de falar algumas palavras. Mas Antonio com um olhar firme e sereno interrompeu-me com perguntas, estabelecendo um diálogo que jamais eu os apagaria de minha memória. Perguntou-me ele, então: - De onde vindes, visitante? - Eu venho de longe para abraçar a tua causa. - O que vens aqui trazer? - trago um coração amigo, um espírito de paz e desejo prosperidade a todos. - Nada mais trazeis? - O povo da minha terra vos saúda e venera. - O que se faz em vossa morada? - Enaltecemos as virtudes e desprezamos os vícios. - O que vindes aqui fazer? - Esquecer minhas vaidades e purificar minha alma. - O que desejais? - Ser mais um entre vós. Nesse momento um facho de luz iluminou meu rosto. Acordei sobressaltado. Notei que havia sonhado um inusitado sonho. Por detrás da janela do quarto de hotel o sol castigava meus olhos. Lá fora um céu limpo e um sol de inverno. Uma névoa fria cobria a praia do Mar Grosso. Era 13 de junho.